O Amor é uma âncora para os sonhos
Afonso Rocha
7/10/20232 min read
Parece-me que quanto mais somos capazes de pensar sobre o que sentimos, mais o silêncio se pode tornar sensato. Não um silêncio negligente, nem bruto, mas sereno.
Porque, tenho a sensação, que no fundo, todos sabemos o que não queremos sentir.
Sim. Por vezes dá-nos jeito um empurrãozinho. Mas a palavra, o discurso, tapa o silêncio e, sem “ele” é difícil de ouvir: o que sabemos, mas não queremos sentir.
Mas é claro! Há coisas que só podemos saber quando estamos ancorados ao amor. (Toda a psicoterapia bem-sucedida é uma cura pelo amor e, o amor é sempre livre).
Ora vejamos:
Imaginemos um homem que navega no meio do mar num pequeno barco de madeira. Navega tranquilamente mas não tem âncora. A sua âncora é a correia que o liga ao cruzeiro que navega a seu lado.
O homem já não se lembrava: quando era criança pediu ao capitão do cruzeiro uma âncora própria. Ao que o capitão disse: “Não, mas podes ancorar-te a mim”. Sem opção, pois já estava muito longe da costa, aceitou a proposta e guardou os sonhos para um “talvez depois”. Um dia, já mais crescido, tentou o pedido de novo. O capitão chamou-lhe de ingrato.
Como precisava de sobreviver, chateou-se com os seus sonhos e trancou-os num baú, fora de vista.
Sem (poder) saber porquê, deixou de ter vontade de navegar. O capitão do cruzeiro, sentindo o seu desânimo ia perguntando: “Que bicho te mordeu?”. Ao que o homem sempre respondia “Estou cansado” e o capitão seguia viagem.
Certo dia, há um novo cruzeiro que passa por ele que lhe diz “vejo que não tem âncora, tenho uma a mais que lhe posso dar!”. O homem tornou-se o silêncio em pessoa. Aquelas palavras não faziam sentido. Quando finalmente verbaliza “Não é preciso, não há necessidade!” o capitão do novo cruzeiro já lhe havia mandado a âncora.
Confuso, diz zangado: “Já lhe disse que não é preciso! Não vê que não tenho sonhos para navegar?!”. Depois de um silêncio, ouve “Mas agora já tem onde os ancorar!”.
O homem começou a chorar. Lembrou-se do baú. Só agora podia lembrar-se.
Tinha guardado os sonhos para poder sobreviver. Depois de tanto tempo dependente da âncora de um Outro, tinha medo de navegar. No início, ficou colado ao novo cruzeiro, apenas passados 2 anos aventurou a separar-se. O capitão do antigo cruzeiro, chateado, seguiu viagem sem dizer destino. Só anos mais tarde, confrontado com o naufrágio de um cruzeiro ao qual também estava acorrentado, voltou a procurar o homem. Quando o viu, vivia num navio personalizado, fiel à madeira do seu antigo barco. Olharam-se em silêncio como quem se abraça. Tinham descoberto, que afinal, sabiam ler os olhos.
O amor é uma âncora para os sonhos.